O termo Kentou (fase de estudo) faz parte do Sistema Toyota de Desenvolvimento de Produto (STDP), um modelo tão refinado e poderoso quanto o Sistema Toyota de Produção. Com o STDP o tempo necessário para desenvolver um novo veículo caiu de 24 meses (o prazo médio entre outras montadoras atualmente é de 24 a 30 meses) para 15 meses regularmente e extraordinariamente 10 meses em casos especiais. Obviamente a Toyota conseguiu chegar nesses números depois de longos anos de estudo e melhoria contínua de seus processos internos. Quando desenvolvemos algo novo, lidamos com processos, pessoas e ferramentas (tecnologia) e a apropriada integração entre eles é o que fará a diferença no produto final em relação ao tempo de lançamento, qualidade e custo. O Kentou marca o início do STDP com reuniões sobre o projeto, o qual a regra é: “Planejar com cuidado e executar com precisão”. Pretende-se com ele concentrar esforços para controlar melhor a variabilidade inerente ao processo de desenvolvimento de um produto. A fase de estudo possui várias características, por exemplo, engenharia simultânea baseada em alternativas, desfazer desentendimentos, alinhar os envolvidos, participação dos colaboradores sênior de todas as áreas da empresa as quais o produto passará, etc. Pelo fato de serem temas muito abrangentes para tratar em um único artigo será explicado com maior profundidade somente a engenharia simultânea baseada em alternativas e a importância da participação dos colaboradores mais experientes no início do desenvolvimento de um produto.
Quando a equipe da Universidade de Michigan realizou uma entrevista com os engenheiros das indústrias automobilísticas dos EUA e Japão, perceberam uma similaridade nas respostas de todos eles sobre como desenvolviam os carros (com exceção dos que trabalham na Toyota). Todos usavam o modelo iterativo pontual não levando em consideração muitas alternativas iniciais antes de selecionar um modelo em argila. Posteriormente surgiam vários problemas com a aerodinâmica exigindo mudanças (iteração). Eram realizados, também, inúmeros ajustes modificando algum aspecto do estilo do veículo para o projeto “funcionar”. Quando o trabalho de instrumentalização começava, outros problemas apareciam gerando mais iteração. Não é difícil identificar que esse modelo consumia tempo, recursos e resultava em um projeto subótimo. Ao relacionar essa forma de trabalho com TI seria como desenvolver algo sem conhecer o propósito do projeto, o público alvo, possíveis mudanças, riscos, etc. O resultado final, de forma que o sistema atenda as expectativas do cliente, é uma desconexão das regras de negócio e uma base de dados cheia de remendos. Com um modelo diferente, a Toyota utiliza a engenharia simultânea baseada em alternativas. Essas possibilidades são levantadas durante o Kentou, em forma de Kentouzu (desenhos de estudos), a fim de certificar que nenhum ajuste drástico tenha de ser feito no meio do projeto. Podemos entender um Kentouzu como uma possível solução que pode ou não ser expressa por meio de um protótipo, com objetivo de auxiliar na tomada de decisão. Cada solução é estudada profundamente de forma a prever situações futuras, usando menos recursos e tempo, evitando o risco de desenvolver algo que não utilizará. A figura 1 mostra como os engenheiros de outras montadoras e os da Toyota trabalham. Os primeiros utilizam o modelo iterativo pontual, enquanto que os da Toyota utilizam a engenharia simultânea baseada em alternativas no qual cada ponto indica um Kentouzu.
Figura 1. Ilustrações que representam modelos usados para desenvolver um produto.
Fonte: Morgan, M. J e Liker, J. K. (2008), Sistema Toyota de Desenvolvimento de Produto.
Sob o ponto de vista de Lean TI, o Kentou deve representar as reuniões feitas no início de um projeto considerando várias alternativas de soluções relacionadas ao software e ao hardware, por exemplo, arquitetura a ser utilizada, linguagem, plataforma, servidor, largura de banda, quantidade de acessos simultâneos, tipo de banco de dados, pontos críticos a serem considerados, tamanho e nível da equipe, tempo disponível, etc. Todas as possibilidades devem ser levantadas e eliminadas de forma a chegar-se na melhor solução, ou seja, a que estabelece maior valor agregado ao cliente mediante o escopo, prazo e pagamento. Deverão ser chamados, para essas reuniões, todos os seniores integrantes das áreas da empresa as quais o projeto passará, por exemplo, marketing, infra-estrutura, financeira, TI, jurídica, etc. Em outras palavras, os seniores das áreas participantes devem estar presentes mesmo que estejam desenvolvendo ativamente outros projetos. A idéia nessa fase é usar a grande experiência de cada um para prever problemas futuros que possam atrasar o desenvolvimento, por exemplo, mudanças de escopo, condições mercadológicas, turnover, etc. É importante ressaltar que o desenvolvimento do projeto só começará depois que a solução estiver definida e profundamente discutida. O Kentou não tem um prazo específico para terminar, pois depende muito da experiência dos envolvidos em antecipar e tornar mais simples possível as soluções dos futuros problemas de um projeto. Após a finalização dessa fase, os seniores voltam para suas respectivas atividades, sendo alguns deles com um cronograma de desenvolvimento definido, os quais participarão. Na fase de estudo são definidos não apenas um, mas vários cronogramas de desenvolvimento relacionados entre si para cada parte do projeto. Várias atividades do projeto ocorrem de forma paralela, enquanto outras são predecessoras (o resultado de uma é usado para iniciar a outra). Por exemplo: Assim que o responsável pela base de dados acabou de criar as tabelas necessárias para o módulo X, este passará a ser desenvolvido pela equipe responsável.
Assim como o desenvolvimento de um veículo, a construção de um projeto de TI pode apresentar muitos problemas iniciais. No caso de um veículo, por exemplo, se fosse escolhida a solução X, o coeficiente de atrito não estaria aceitável quando o bloco fosse encaixado na suspensão dianteira devido ao ângulo resultante do processo. Em relação a TI é como se um componente gráfico, que seria comprado e utilizado no meio do projeto, não funcionasse tão bem na linguagem de desenvolvimento escolhida (isso seria notado após boa parte da codificação). Para evitar esse tipo de problema a fase de estudo deve ser planejada cautelosamente. O Kentou pode ser identificado como uma atividade predecessora a qualquer processo de desenvolvimento de software e, para garantir seus benefícios, ele deve ser ajustado a cada tipo de empresa. Ele serve como um direcionador, de forma a evitar becos sem saída durante possíveis ajustes solicitados pelos clientes ao longo do desenvolvimento. É importante esclarecer, que a fase de estudo não possui relação com as reuniões diárias adotadas, por exemplo, no Scrum. Com o Kentou pretende-se eliminar os problemas de mudanças tardias, ou seja, soluções emergenciais as quais não podem ser chamadas de melhoria contínua (Kaizen), mas sim, um dos piores tipos de desperdício.
Bibliografia
- Morgan, J. M. e Liker, J. K. (2008), Sistema Toyota de Desenvolvimento de Produto (p. 322). São Paulo: bookman
- Bell, C. S., Orzen, A. M. (2013), TI Lean - Capacitando e Sustentando sua Transformação Lean. São Paulo: Lean Institute Brasil